Nesta
semana, ocorreram diversas manifestações contra aumentos de ônibus
em capitais brasileiras. Tem chamado mais atenção a de São Paulo.
Não apenas por ser a mais rica cidade brasileira, mas pelo modo como
ocorreu. O que seria um aumento de 20 centavos com uma marcha de
insatisfeitos com o aumento, tornou-se um movimento de grandes
proporções diante de uma força pública que perdeu o controle dos
fatos.

Pelo Facebook, além de fotos e vídeos diversos, há muitos depoimentos, como este, de Bárbara Castro, estudante da UNICAMP:
Relato direto de Sampa: "Acabei de voltar do ato e nunca vi tanta repressão. A PM não deixou a manifestação subir a Consolação (que ela fechou pro choque) e recebeu pessoas gritando "Sem Violência" e com flores nas mãos com bomba e bala de borracha. Correria, cada turma subiu por um lado (Angélica e Bela Cintra). O que vi? Muitos motoristas buzinando ao som das palavras de ordem, outros tantos emputecidos querendo sair dali, e, dentre as 1000 pessoas que segui, cruzei com 2 anarcos gritando "É vandalismo" - ao que reagi pra ser chamada de burguesa e quase levar uma voadora de um menino de 16 anos. Depois da sétima correria, com a bomba explodindo nas minhas costas, voltei pra casa, com medo, pela primeira vez na vida, de sair na rua pra reivindicar uma coisa na qual acredito. Agora que vi a foto da repórter da Folha, tenho certeza de que meu medo tinha razão de ser. Talvez agora, com tanto jornalista preso e machucado, as pessoas comecem a entender o papel que a PM ocupa nos atos. A liberdade de expressão está sendo ferida desde o primeiro ato, na prisão de anônimos pra desmobilizar o movimento. Minha única certeza depois de hoje, é que a covarde dessa história não sou eu."

Quem se
apressa entre conservadores e direitistas para, com preguiça de
pensar sobre problemas complexos, afirmar que haveria uso
político-partidário imediato, os dois únicos partidos políticos
que ainda ensaiam alguma forma de ideologia estão aliados nesse
caso. Os “gêmeos siameses que se amam mas não se declaram”,
como bem diria a vereadora Heloisa Helena, PT e PSDB, estão
governando São Paulo. Unidos, Haddad e Alkmin chamaram os
manifestantes de vândalos, arruaceiros e disseram que eventuais
excessos policiais seriam apurados, como se a perda de um olho por
uma jornalista fosse comparável a chegar atrasado ao trabalho ou
alguma falta menor.
Não é
difícil encontrar notícias de prisões de pessoas em restaurantes,
namorando na rua, conversando, por parecerem estar participando da
manifestação. É um estado de sítio, em que as pessoas precisam
tomar cuidado para sair nas ruas. Será ainda pior, diante das regras
exigidas pela FIFA quando a Copa do Mundo vier ao Brasil, no próximo
ano. Nada poderá obstar a realização dos jogos, doa a quem doer.
Foucault,
em mais de um dos textos que fazem parte de Microfísica do Poder,
alerta que, quando a opressão é
crescente, ela torna-se um fator de integração daqueles que se
opõem. Poderia haver dúvidas sobre o aumento nas passagens de
ônibus, quem estivesse fora de São Paulo poderia não saber o que
pensar do assunto. Porém, quando se trata de jornalistas presos e
feridos deixamos o terreno de direitos individuais homogêneos (em
que grupos específicos têm direitos) para interesses difusos (o
abuso de autoridade na segurança pública de modo
institucionalizado), passamos a algo que não é nada difícil de ter
novas adesões. À medida que a polícia, treinada e armada para,
supostamente, saber o que fazer diante de crises políticas, se
desespera e parte para a violência contra quem grita e carrega
cartazes, estes respondem à perda de controle com aumento de
contingente.
![]() |
Manifestação no Rio de Janeiro |
Em diversas cidades brasileiras (Brasília, Aracaju, Porto Alegre, Rio de Janeiro,
Maceió são exemplos que vêem à memória) surgiram manifestações
semelhantes. A repressão, na maioria dos casos, tem sido similar
(uma exceção foi Maceió, onde o prefeito já se comprometeu a não
aumentar as passagens de ônibus, prevenindo-se do que vem ocorrendo
em diversos lugares). À medida que podemos ver que faz sentido unir
20.000 pessoas na maior cidade do país, as demais cidades enxergam
melhor seus próprios problemas urbanos.
O transporte público é uma das muitas feridas abertas nas políticas
públicas brasileiras. Não são raros os casos em que os mesmos
grupos privados controlam o setor há décadas, sem licitações ou
sendo elas dispensadas por que haveria, por armação entre empresas,
apenas um participante. Não há fiscalização sobre melhorias,
apesar de assaltos, acidentes, quebras de ônibus; na mesma São
Paulo, o metrô não corresponde a 10% da linha férrea londrina
(comparação comum entre gestores públicos), em todo o país,
carros particulares, táxis, vas clandestinas ou não superlotam as
vias públicas. Quem estiver insatisfeito, descobrimos nessa semana,
será preso após violência policial.
A vergonha nacional rapidamente ganhou as páginas de jornais por
todo o mundo, quando pacotes turísticos de interessados nos jogos da
Copa das Confederações e da Copa do Mundo já estão sendo
vendidos. O Brasil se desprepara para receber milhões de turistas,
que estão lendo que não poderão reclamar caso não gostem dos
serviços públicos brasileiros.
Está agendado que os manifestantes voltarão às ruas de São Paulo
segunda-feira. Passarão o fim de semana planejando seus próximos
passos, acompanhando a repercussão, esperando tomadas de posição
do prefeito e do governador, comunicando-se com aliados de diversos
estados. Para quem, em outro exercício de preguiça mental, dizia
que jovens de hoje não mais protestam, talvez não estejam dando a
devida atenção aos insatisfeitos.
Entre os
muitos apoios em redes sociais, merece destaque quem compartilhou uma
breve mas consistente reflexão sobre a integração de tantas
pessoas de grupos tão distintos e que antes poderiam abraçar
reclamações individuais mas que, diante de momentos críticos,
unem-se tão rapidamente:
"Sobre esse povo que fala que só tem filhinho de papai nas manifestações, quero dizer que:
- Vc não precisa ser gay pra lutar contra a homofobia
- Vc não precisa ser negro para lutar contra o racismo
- Vc não precisa ser mulher pra lutar pelo direito delas
- Vc não precisa ser um cachorro pra lutar pelos animais
- Vc não precisa ser uma arara-azul para lutar pela conservação da Amazônia
- Vc só precisa ser inteligente e pensar no coletivo."
(Marcus Veneroso)
Postar um comentário